Feminismo no Mercado de Trabalho

Maria Beatriz Miranda

Tax Technology and Transformation Consultant, EY

19 de fevereiro de 2021

“Feminismo”, uma palavra que apesar de tão popular, parece ainda gerar dúvidas sobre o seu verdadeiro significado. Quando ao fazer a pergunta “Defendes a igualdade de género?” a resposta é SIM, mas à pergunta “Consideras-te feminista?” a resposta é NÃO, percebemos que algo não está certo, porque estas são na verdade a mesma pergunta. O movimento feminista, originário do século XIX é ainda nos dias de hoje um tema controverso, que gera muitas discussões e dúvidas. No entanto, em muitos dos casos estas devem-se à confusão entre os movimentos “feminismo” e “femismo”, sendo este último não a favor da igualdade de géneros, mas sim da supremacia feminina. Contudo, o verdadeiro significado de ser feminista é promover a igualdade de direitos e oportunidades entre géneros, tanto numa esfera social como política.

"Quando ao fazer a pergunta “Defendes a igualdade de género?” a resposta é SIM, mas à pergunta “Consideras-te feminista?” a resposta é NÃO, percebemos que algo não está certo, porque estas são na verdade a mesma pergunta."

Fazer parte deste movimento é ainda nos dias de hoje uma questão premente, pois apesar das grandes conquistas das últimas décadas, como o direito ao voto feminino ou a entrada da mulher no mercado de trabalho, existem ainda discrepâncias visíveis entre os géneros, como é o caso da disparidade salarial. Segundo dados publicados pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, em Portugal, as mulheres continuam a receber uma remuneração média mensal 14,4% inferior à dos homens em cargos semelhantes. Sendo estas discrepâncias ainda mais elevadas (26,1%) quando falamos de cargos em quadros superiores. A presença feminina nestes quadros não espelha ainda os níveis de educação da população feminina que se encontra no mercado de trabalho. Entre 1994 a 2006, mais de 60% dos diplomados em todas as áreas de formação e educação são do sexo feminino [1], no entanto, em 2019, apenas 28,2% dos cargos de direção executiva, 16,4% dos cargos de Presidentes do Conselho Administrativo, e 11,2% dos cargos de Diretor Geral de empresas eram ocupados por mulheres. A percentagem de cargos femininos nos conselhos de administração tem vindo a registar um aumento considerável nos últimos anos, no entanto, em 2019, correspondia ainda a 19,5% do total. [2].

"O verdadeiro significado de ser feminista é promover a igualdade de direitos e oportunidades entre géneros, tanto numa esfera social como política."

"Em Portugal, as mulheres continuam a receber uma remuneração média mensal 14,4% inferior à dos homens em cargos semelhantes."

Se em comparações entre cargos semelhantes as diferenças entre géneros são evidentes, as mesmas em comparações entre setores são ainda mais visíveis. Em Portugal, alguns dos setores com maiores discrepâncias em 2019 foram os setores de trabalhadores qualificados em eletricidade e eletrónica, e condutores de veículos e operadores de equipamentos móveis, em que 99 e 97% dos trabalhadores são do sexo masculino, respetivamente. Seguem-se os setores dos cuidados pessoais na educação e saúde, e das limpezas, em que 95 e 94% dos trabalhadores são do sexo feminino, respetivamente. Adicionalmente, é de notar que 85% dos profissionais de nível intermédio nas áreas das ciências e engenharia, e 82% dos especialistas em tecnologias de informação e comunicação são do sexo masculino [3]. Olhando para a díspar representação dos géneros nestes setores questionamo-nos se estas se devem a uma escolha livre ou condicionada pelos estereótipos ainda existentes na sociedade atual. Nos últimos tempos temos assistido a vários exemplos de mulheres a ocupar cargos numa indústria maioritariamente masculina, como foi o caso da árbitra Stéphanie Frappart, a primeira mulher nomeada para árbitra principal numa partida da Liga dos Campeões de futebol; da jornalista Rita Latas, primeira mulher a narrar um jogo de futebol da I Liga Portuguesa, da piloto Elisabete Jacinto, primeira mulher a vencer a África Eco Race, uma corrida de camiões todo o terreno; ou da advogada e política Kamala Harris, a primeira mulher eleita vice-presidente dos EUA; e uma temática presente nos discursos de todas estas mulheres são os desafios superados ao longo da sua carreira por representarem uma minoria nesse setor, destacando assim a premência da necessidade de mudar mentalidades e alargar as oportunidades para as minorias em determinados setores.

A nível Europeu, é todos os anos publicado um índice que mede a igualdade de género em várias esferas nos vários estados membros. Em 2019, a média europeia deste índice em todas as esferas foi de 67,4%, representando este valor um crescimento de apenas 5,4% desde 2005, sendo as esferas mais preocupantes o poder e o balanço vida pessoal-trabalho. Face a estes resultados foi apresentado pela Comissão Europeia, em março deste ano, uma nova estratégia para promover a igualdade de género nos próximos 5 anos. Esta nova estratégia assenta em dois pilares fundamentais, as ações necessárias para atingir a igualdade de género e a introdução de uma perspetiva de género em todas as políticas e iniciativas europeias. Pretende-se que estas ações chave garantam, entre outros objetivos, igualdade de oportunidades no mercado de trabalho e igualdade salarial, através de reformas estruturais, como por exemplo: a aplicação de políticas de transparência salarial e de diretivas de work-life balance, e monotorização do respetivo efeito; o apoio a mulheres investidoras e empresárias; programas de formação técnica para profissões tradicionalmente dominadas por um dos géneros; e a inclusão das temáticas de igualdade de género, como estereótipos e disparidades, nos programas de educação [4].

"Esta nova estratégia assenta em dois pilares fundamentais, as ações necessárias para atingir a igualdade de género e a introdução de uma perspetiva de género em todas as políticas e iniciativas europeias."

"Uma lei semelhante é já aplicada em Portugal, sendo que a partir da primeira assembleia eletiva realizada em 2020, 33,3% dos administradores executivos e não executivos dos órgãos de administração das empresas, têm de ser mulheres."

Em linha com a nova estratégia aprovada pela comissão Europeia, foi aprovada pelo governo alemão em novembro deste ano, uma nova quota com o objetivo de aumentar o número de mulheres nos quadros de administração das empresas alemãs. Esta medida implica que em conselhos de administração com mais de três pessoas haja pelo menos uma mulher. Uma lei semelhante é já aplicada em Portugal, sendo que a partir da primeira assembleia eletiva realizada em 2020, 33,3% dos administradores executivos e não executivos dos órgãos de administração das empresas, têm de ser mulheres. Adicionalmente, no final de 2019 teve início em Portugal, o projeto de 3 anos, “Equality Platform and Standard”, que tem como objetivos a criação de uma Norma portuguesa para um Sistema de Gestão de Igualdade Salarial e de uma plataforma de acompanhamento das políticas públicas, relativas à representação equilibrada, igualdade salarial, parentalidade, conciliação e segregação sexual das profissões. Prevê-se que este projeto ajude as empresas na erradicação das discrepâncias salariais entre géneros e assim cumprimento da recente lei da igualdade de género, e que permita um maior acompanhamento do impacto das políticas públicas adotadas neste espectro, facilitando a sua gestão [5].

Apesar da crescente sensibilidade e consciência para estes temas existe ainda um longo caminho a percorrer para atingir a total igualdade de género, sendo as reformas políticas tão importantes como a mudança das mentalidades, e dos valores e ideais transmitidos de geração em geração. Deste modo, está em cada um de nós o poder de tornar a realidade mais justa.