Gonçalo Castro
A abstenção nas últimas eleições legislativas rondou os 50%. Qualquer cidadão com alguma sensibilidade cívica percebe, ao olhar para este valor, que isto é mau para a democracia. Por outro lado, importa-nos perceber porque é que termos apenas metade dos votantes do que é, em teoria, suposto, é grave. Não nos basta dizer que a abstenção é má porque sim, tal como importa explicar que se deve votar por razões bem mais importantes do que “é um direito, mas mais que isso, um dever!!”. Ora, olhando para os números – sim, porque os números contam mais do que as nossas perceções – há uma clara demissão de uma camada considerável da sociedade. Dissecando estes dados, observamos que tem havido uma maior tendência para abstenção nos mais jovens –entre os 18 e os 35 de idade.
Neste sentido, talvez fosse importante fazermos uma reflexão, enquanto sociedade, do quão desequilibrado está o nosso sistema político. O sistema parlamentar em Portugal, assente numa representação partidária e proporcional dos nossos eleitores, depende, naturalmente, da expressão da nossa opinião através daquela cruzinha com a qual definimos o nosso sentido de voto. Como poderá um deputado, eleito por metade dos nossos eleitores, autointitular-se um deputado da nação? Mais grave do que questões de semântica, são mesmo as pressões sociais que este tipo de desequilíbrio fomenta. O facto de metade dos eleitores não se sentir representado pelos mais altos decisores políticos deslegitima os deputados e, por inerência, os nossos governantes. Assim, se um indivíduo, enquanto abstencionista, não se responsabiliza pela ação dos seus eleitos, poderá, sem qualquer remorso, adotar uma postura tribal, separatista entre “nós, o povo” e “eles, a elite”. Urge, portanto, acabar com este tipo de pensamento que tem, infelizmente, raízes profundas numa visão “senatorial” dos cargos políticos.
Feito o diagnóstico, importa saber como resolver o problema da abstenção com medidas concretas e que, de facto, funcionam. Atuando em duas frentes – a da sensibilização cívica e a da reforma eleitoral – será possível atrair mais pessoas às urnas e, consequentemente, equilibrar o nosso sistema político. É urgente melhorar a comunicação dos nossos políticos para com o eleitorado de base. Não falo de fazer photo-ops ou arruadas a dar beijinhos aos feirantes e aos – infelizes – transeuntes que por ali passam. Falo, isso sim, de simplificar a linguagem política, acabar com a linguagem tecnocrata que domina o diálogo político hoje em dia e dinamizar ações townhall noutras alturas que não as de campanha. Além disto, é preciso reformar o ato eleitoral como um todo, reduzindo, ao máximo, as barreiras que atualmente se impõem. Alargar os dias de voto, possibilitar, como se irá fazer nas próximas eleições europeias, a consulta das filas das secções e o tempo de espera e estudar a possibilidade de voto eletrónico seriam bons primeiros passos para reduzir a abstenção.
Deixando uma palavra para o grupo no qual me insiro – os jovens – resta-me apelar a que não se demitam do vosso direito de voto. Sim, é importante votar porque nos ensinam isso na escola, mas é mais importante votar porque tem um impacto na nossa carteira, na comida que comemos, nos carros que conduzimos e no futuro que teremos. Mais importante ainda, se querem apelar ao voto, é importante que o façam nos vossos meios, mas é mais importante ainda que saiam da faculdade e da vossa associação e se dirijam àqueles que, efetivamente, votam menos – pessoas que não têm educação superior, de baixos rendimentos e que vivem nas periferias das grandes cidades como Lisboa. Para equilibrar o sistema é preciso rebentar a bolha.