O conceito bombástico do decrescimento

Paula Albuquerque

Docente universitária no ISEG

10 de dezembro de 2021

Um dos principais indicadores usados para medir o sucesso de uma economia é a taxa de crescimento real do PIB. Esse número indica quanto varia o que se produz em bens e serviços com contrapartida monetária. Até que ponto o foco deve manter-se nesse elemento de análise? E se esse indicador for enganador?

Duas razões colocam em causa a visão tradicional de saúde económica, assente no crescimento do PIB: primeiro, nem tudo o que é medido como riqueza criada o deve ser e, segundo, nem tudo o que tem valor para a sociedade é abrangido por esse conceito.

A contabilidade nacional trata da mesma maneira as atividades essenciais ao bem-estar – como a maioria das da área da saúde, da educação ou da justiça, – e a produção de bens supérfluos. Se um empregador estiver a pagar a um trabalhador para abrir buracos e a outro para tapar os buracos do primeiro, esta atividade aparece contabilizada como produção. Da mesma maneira, se uma indústria tem um processo de fabrico poluente, criando a necessidade de utilizar os serviços de empresas que removam essa poluição, o nível de atividade económica é calculado somando a atividade de todas. Em contrapartida, a produção levada a cabo de forma gratuita pelas famílias e pelos voluntários não entra para o cálculo do PIB.

Como fruto da consciência de que o bem-estar das populações é influenciado por muitos fatores que ficam de fora do cálculo do PIB, criaram-se indicadores de bem-estar e de desenvolvimento humano. Em 1972, o Rei do Butão declarou nas Nações Unidas que o país guiava as suas políticas por um índice de Felicidade. As Nações Unidas publicam regularmente estatísticas relativas ao nível de felicidade para um conjunto largo de países, assim como um Índice de Desenvolvimento Humano que tem em conta, não só o PIB per capita, como a esperança média de vida e o número de anos de escolaridade. A OCDE publica o Índice para uma Vida Melhor, que cobre onze domínios. Estes são apenas alguns dos indicadores mais conhecidos.

De um modo quase provocatório, o “movimento do decrescimento”, alinhado com as ideias de abrandamento do ritmo de vida, questiona o paradigma do crescimento económico e tem vindo a ganhar adeptos nos últimos anos. O objetivo desta corrente de pensamento não é tanto promover a redução do PIB, quanto libertar as economias da obsessão com o seu crescimento para se dar mais atenção à justiça e à qualidade das relações humanas. Na verdade, o desperdício é apanágio das economias mais desenvolvidas e muito do que se produz é desnecessário. Uma promoção da frugalidade como estilo de vida abre espaço para uma redução das horas de trabalho e coaduna-se com uma melhor articulação entre o trabalho e a vida familiar. Também o “movimento lento” (“Slow Movement”) defende que a vida acelerada, os longos períodos de trabalho e a multiplicação de tarefas e de objetivos para cumprir num curto espaço de tempo geram frustração sistemática e perda de sentido de vida. O stress e a impaciência crónicos reduzem o bem-estar e penalizam as relações pessoais, conduzindo a situações de exaustão física e emocional que no longo prazo, prejudicam a produtividade, em nome da qual são originados.

 

O modelo da economia circular, com os seus 3 R’s – reduzir, reutilizar, reciclar – colocando a ênfase na sustentabilidade ambiental, enquadra-se na perfeição na perspetiva do decrescimento.  Alguns adeptos do decrescimento fixam-se precisamente nas consequências da sobre-exploração dos ecossistemas e na necessidade de reduzir o uso de recursos. O novo modelo de consumo deverá redirecionar-se para os produtos de alta qualidade, não descartáveis, e para o uso em segunda mão. O consumo deverá ser ponderado e não impulsivo.

Muito próxima desta vertente ecológica do decrescimento, está a visão de crescimento verde, que propõe um crescimento atento às consequências ambientais, como o que se tem procurado nas sucessivas Cimeiras do Clima, a última das quais, em Glasgow. As duas propostas têm muito em comum, sendo que a primeira é mais radical, descrendo da possibilidade de se atingir sustentabilidade ambiental com crescimento.  Contudo, a maior diferença reside no facto de a ideologia do decrescimento possuir uma maior abrangência, com aplicações a áreas diversas.

O decrescimento só se aplica às economias mais ricas, deixando espaço para os países mais pobres continuarem o seu esforço de aumento da produção.

A experiência das recessões como fases de dificuldades acrescidas para grandes secções da população pode causar desconfiança relativamente a este paradigma alternativo. Contudo, as recessões surgem de forma involuntária, enquanto o decrescimento resultaria de uma alteração de preferências. Na função de decisão dos agentes económicos, o lazer ganharia uma maior valoração. Além disso, enquanto as recessões estão associadas ao aumento do desemprego, o decrescimento passaria por uma redução nas horas de trabalho. Uma recessão, por não ser planeada, atinge uma pluralidade de setores, alguns dos quais potencialmente muito importantes do ponto de vista social. O decrescimento propõe uma redução de atividade em setores menos associados às necessidades fundamentais dos seres humanos.

Naturalmente que o aumento do bem-estar não está assegurado com a inversão de paradigma. Um decrescimento económico implicará, por exemplo, uma erosão na base de tributação que poderá implicar, nomeadamente, uma rarefação da rede de serviços públicos essenciais. Contudo, não há que abdicar do progresso tecnológico e da capacidade criativa do ser humano para fazer face aos desafios que esta visão da sociedade coloque. E se muitos proponentes a entendem como uma transformação sísmica, a ter lugar, ela será provavelmente uma transformação de movimento lento.