“A Novela Orçamento 2022”

Vasco Medeiros

Aluno 2º ano da Licenciatura em Economia no ISEG

26 de novembro de 2021

E, quando escolhemos, temos custos de oportunidade associados à escolha de algo em detrimento de outra solução.

Várias são as razões que poderiam justificar a escolha da palavra “novela”. Tal como em quase todas as novelas, há momentos de paixão, desconfiança, drama, traição ou até tragédias como mortes. Curiosamente, ou não, as negociações para o Orçamento de Estado (OE) 2022 (tal como as anteriores) foram especialmente férteis nestes momentos dignos de um bom filme de suspense. Apesar do texto querer retratar uma análise económica da Proposta de OE2022, importa relembrar o contexto político em que as negociações ocorreram. Depois do OE2019, o atual executivo viu o apoio dos partidos da “Geringonça” desvanecer-se. Em 2020, o BE opôs-se à Proposta de OE2020. Em 2021, o BE voltou à mesa das negociações. Porém, no final, só sobrava PS e PAN. BE, PEV e PCP tinham votado contra. Foi este clima de tensão e incerteza que pautou as negociações. Como sabem, o OE, é um instrumento de gestão onde são apresentadas as previsões de receita e despesa do Estado, bem como as consequências que essas previsões têm na economia. Como tal, e sendo o OE limitado, é necessário fazer escolhas. E, quando escolhemos, temos custos de oportunidade associados à escolha de algo em detrimento de outra solução. Parece-nos, portanto, que o custo de fazer passar na generalidade Proposta de OE2022 seria maior para os partidos anteriormente referidos, do que o custo de vermos a proposta chumbada e de irmos a eleições antecipadas. Só em janeiro de 2022 é que perceberemos se essas conclusões estarão ou não corretas. Até lá, importa falar sobre a Proposta OE2022, não só pelo exercício crítico inerente, próprio dos alunos do ISEG, mas também porque, de acordo com as atuais sondagens, e caso estas se venham a concretizar, dificilmente teremos um futuro OE muito diferente daquele que foi já apresentado e chumbado.
O OE2022 é apresentado pelo Governo como um orçamento de continuidade em comparação com os anteriores. Marca o fim da recuperação da economia face à pandemia e culmina com o primeiro ano de execução dos fundos europeus disponibilizados pela famosa “bazuca” (Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)) “ambicionando”, na ótica do Governo, colocar Portugal finalmente na rota do crescimento económico. Um problema crónico da economia portuguesa, que se tem acentuado nas últimas duas décadas. Dada a extensão do documento orçamental, focar-nos-emos, então, em algumas das medidas.
Uma das medidas mais conhecidas, é a mexida no IRS. Aqui, prevê-se a criação de mais dois novos escalões de IRS. É ainda previsto que a taxa média de IRS aplicada em cada escalão seja igual ou inferior àquela que se verifica atualmente. O que significa que nem todas as pessoas passarão a pagar menos IRS. Para além das mexidas nos escalões, é ainda previsto um reforço do IRS Jovem, cuja isenção parcial de IRS, passa de 3 para 5 anos. Ainda no capítulo dos rendimentos, verificar-se-á o englobamento obrigatório dos rendimentos resultantes de mais-valias mobiliárias especulativas, caso esses rendimentos sejam obtidos num período inferior a 365 dias. Esta medida aplicar-se-á a quem tenha um rendimento coletável, incluindo este saldo, igual ou superior ao valor do último escalão de IRS. Quanto ao salário mínimo a história é mais confusa. No documento original do Governo apenas estava prevista uma continuação da “valorização significativa” do salário mínimo com “o compromisso de alcançar os 750 euros em 2023” [1]. Por outras palavras, o Governo não tinha planeado qualquer aumento do salário mínimo para 2022. Só a pressão do PCP fez com que se verificasse um aumento do salário mínimo, em 2022, para 705 euros. Atualmente em duodécimos e em véspera de eleições legislativas, o Governo parece estar muito empenhado em ver aprovada esta proposta. Também nos rendimentos da função pública verificar-se-ão aumentos de 0,9%, em linha com a inflação esperada. No capítulo das pensões estavam previstos aumentos de 10 euros mensais relativas a pensões no valor de 658 euros mensais. Uma vez mais, o receio do chumbo levou a que o Governo alargasse este aumento às pensões até 1097 euros.
Já no que toca às empresas, a Confederação Empresarial de Portugal (in Eco [2]), “apesar de reconhecer os esforços realizados pelo executivo”, considera que a proposta de OE fica “aquém das expectativas, como tem ficado nos orçamentos anteriores” [3]. Algumas das medidas incluem um novo incentivo fiscal ao investimento empresarial no primeiro semestre do próximo ano. As empresas poderão também deduzir no IRC “10% das despesas de investimento habituais ou 25% do valor do investimento adicional, isto é, que supere a média dos últimos três anos”. Porém, existem limitações, nomeadamente no facto das empresas não poderem avançar com despedimentos ou extinção de postos de trabalho. Assim, qualquer empresa que queira aumentar a sua produtividade através da automação do trabalho não poderá aceder a este benefício fiscal, o que poderá trazer consequências negativas à competitividade das empresas. Em vez de impedir os despedimentos, a meu ver, o foco do executivo deveria passar por, em parceria com as empresas, garantir a essas pessoas formas de acederem a uma formação especializada e a uma nova carreira profissional. Impedir a extinção de postos de trabalho pouco especializados é “empurrar com a barriga” o problema da produtividade e da necessidade de garantir a estas pessoas uma nova formação especializada, numa nova economia.
No capítulo do investimento público, de acordo com a UTAO (Unidade Técnica de Apoio ao Orçamento) (in Jornal de Negócios [4]) espera-se um aumento do investimento em cerca de 2 178 milhões de euros. Porém, importa lembrar que desse montante, 1 194 milhões de euros são oriundos do PRR. Assim, em bom rigor, só 984 milões de euros, destinados ao investimento público, provêm do OE. Ainda de acordo com o Conselho de Finanças Públicas (in Eco [5]), a diminuição da despesa pública em 0,8% (face a 2021) (sem PRR) deve-se sobretudo à eliminação da despesa Covid. Contudo, verificar-se-á um aumento da despesa primária em 3,4%, face a 2019, sendo que 2% correspondem a despesa corrente primária, sobretudo nas suas componentes mais “rígidas”, nomeadamente despesa com pessoal e prestações sociais. Daqui se conclui que as contas públicas encontrar-se-ão “estruturalmente piores”, à saída da pandemia. O défice previsto será de 3,2% relativamente ao PIB, um valor menor do que o expectável em 2021. Já a dívida pública, em percentagem do PIB, passará dos 126,9% em 2021, para 122,8%, em 2022. Tal deve-se ao crescimento da economia, para 2022, de 5,5%.
Numa nota pessoal gostaria de fazer uma breve observação ao tema do crescimento económico. O Governo no documento de apresentação do OE2022 [6] considera que o “forte crescimento económico permite superar o nível pré-pandemia já em 2022”. De seguida, no documento é visível que o PIB2022 representará 101,3% do PIB2019. Focar-nos-emos na utilização da palavra “já” e lembremo-nos de que Portugal será dos países da UE que mais tarde recuperará da crise e aquele que terá um dos rácios PIB2022 /PIB2019 mais baixos da Europa. Deixo a pergunta/sugestão: Em vez da palavra “já” não seria mais correto substituí-la por “só”? Qual é a ambição que queremos ter para Portugal? Uma coisa é certa: Portugal em 2022 encontrar-se-á numa situação melhor. Não graças a qualquer OE2022 ou a qualquer solução política encontrada, mas sim devido ao facto de Portugal andar “ao sabor de uma conjuntura” favorável, visível no resto da Europa. A questão central que se coloca para 2022, e para os anos vindouros, é sobre o quão melhor queremos ver Portugal, e como queremos usar o PRR com vista a efetivamente responder ao drama da falta de crescimento económico significativo. Com vista a encontrar uma resposta a esta pergunta, viver-se-á, no próximo dia 30 de janeiro de 2022, um momento único em que os portugueses serão realmente chamados a pronunciarem-se sobre a Proposta de OE2022 do Partido Socialista. Embora as eleições legislativas tenham como objetivo eleger os membros da Assembleia da República que, representarão os Portugueses aquando da votação do OE, o partido do atual Governo, pela primeira vez, vai a eleições com um OE já apresentado. Os portugueses poderão verdadeiramente afirmar nas urnas se pretendem que seja este o OE, ou se preferem um OE diferente, com um outro Chefe de Governo. Assim sendo, concluo este artigo com um apelo ao (e)leitor, para que no penúltimo dia do primeiro mês do próximo ano, vote de forma consciente no projeto político e, consequentemente, no OE, que quer ver para o país.