Fundador e Alumnus do IBC, Licenciado em Economia no ISEG e Masters in Management na London Business School
‘Olá Rafael, tudo bem contigo? Sei que não me conheces, mas estou à procura de pessoas com mente aberta e proativas, e acho que tens o perfil ideal. Queria saber se terias disponibilidade para um cafézinho comigo, para te poder falar um pouco de um negócio que estou a desenvolver…’.
Ainda que me sinta lisonjeado sempre que abro uma mensagem com tantos elogios à minha pessoa, sinto-me igualmente desiludido quando percebo que não passa de uma mensagem que foi copiada e enviada para dezenas, se não centenas de contactos, quer seja através do Facebook, LinkedIn, etc. . Herbalife, produtos AVON e, mais recentemente, esquemas de FOREX e Criptomoedas, são os mais comuns veículos de propagação destas mensagens de ‘network marketing’ – uma maneira bonita de dizer ‘Ponzi Scheme’ ou esquemas de pirâmide. Mais ainda, e levando esta mensagem vendedora de banha da cobra a outro nível, alcançando milhões de jovens facilmente impressionáveis com vidas luxuosas e ostentação, fomos recentemente confrontados com um escândalo à volta dos youtubers Windoh (Diogo Figueiras) e DavidGYT (David Soares), que utilizavam as suas enormes plataformas digitais para vender ‘serviços de aconselhamento financeiro’ com contornos duvidosos e promessas infundadas.
Mas afinal, o que é o FOREX? É possível ganhar dinheiro com mercados financeiros e criptomoedas? O meu youtuber favorito é o meu melhor amigo ou só está à procura de ganhar ainda mais dinheiro através do seu poder e influência?
Forex é uma contração da expressão foreign exchange market, expressão do inglês que pode ser traduzida para mercado cambial. Operar no FOREX envolve a compra e venda de moedas como o euro e o dólar, apostando (ou acreditando) que uma vai valorizar face à outra e, portanto, que será mais lucrativo ter uma em contrapartida de outra no momento x. Através de corretoras (plataformas digitais), qualquer pessoa devidamente registada poderá investir parte do seu dinheiro na comercialização, ou trading, de pares de moedas. Não obstante, e por muito que continuem a aparecer influencers (por maiores ou menores que sejam as suas plataformas) a promover um estilo de vida excêntrico associado ao FOREX, a verdade é que, a esmagadora maioria das plataformas reporta que 80% das pessoas que se registam como traders perde dinheiro [1], sendo que a média de ganhos é de apenas 10% do dinheiro investido (ainda que os melhores traders cheguem a atingir rendimentos mensais de 120% [2]). Mesmo que punhamos de parte as comissões tiradas pelas corretoras, e os impostos pagos aos governos, as perdas não querem necessariamente dizer que é um mau negócio – mas sim que é extremamente díficil dele tirar dinheiro. Isto é, o trader de sucesso é, à partida, um trader que estuda muito do mercado e melhor entende de que forma este funciona, e que causas provocam determinados efeitos e antecipam determinados níveis de taxas de câmbio – e é aqui que começam a surgir as grandes burlas e oportunidades de negócio.
Em Março deste ano, e em efeito bola de neve de outros escândalos associados a youtubers de sucesso em Portugal, a TVI lança a reportagem ‘Conto do Vigário’ [3], que procura desvendar a forma como David Soares, youtuber com mais de 100 mil subscritores só na sua conta de YouTube, usava a sua plataforma para fazer dinheiro à custa dos seus fãs.
Ostentando uma vida de luxo, com diversos carros desportivos e viagens ao Dubai (que dizia dever ao seu sucesso a operar no mercado cambial) DavidGYT vendia através das suas redes sociais recursos que, segundo o próprio, ajudariam qualquer um a atingir a desejada liberdade financeira.
Através de planos de subscrição mensal que rondariam os 30€ por mês, David Soares vendia cursos que explicavam como operar no mercado cambial, bem como sinais (ie. dicas de que moedas comprar e vender, a que momento, com que nível de risco, etc.) através de grupos de Telegram, que publicitava aos seus subscritores como sendo life changing.
Não obstante, não era através das suas operações no FOREX que David Soares fazia dinheiro, mas sim através das chorudas comissões que recebia das corretoras por cada membro que se registava na plataforma através do seu link de registo. Cientes que a esmagadora maioria dos traders perde dinheiro ao operar no mercado, as plataformas (muitas delas nem sequer legais em Portugal) estariam dispostas a pagar a David Soares e pessoas que, como ele, conseguissem referir novos traders, até 100€ por inscrição.
A esse valor, poderiam acrescer ainda percentagens de lucro que seriam inversamente proporcionais às perdas de quem operasse nessa plataforma ou seja, para estas corretoras e personalidades digitais, o incentivo era para encontrar pessoas que se tornassem loss takers, e não profit makers.
Na origem desta tempestade esteve o youtuber Diogo Figueiras, mais conhecido por Windoh, que em finais de Fevereiro deste ano lançou aquilo que apelidou de ser o ‘melhor curso do mercado’ para ajudar a transmitir conhecimento sobre criptomoedas. Através de uma módica quantia de 400€, o famoso youtuber prometia aos seus fãs acesso a conteúdo construído por um grupo de ‘gente séria’ que, ‘tal como o próprio’, havia tido resultados bastante positivos com o investimento em criptomoedas (por simplicidade, entenda-se o mercado das criptomoedas como um lote extra de moedas que se podem transacionar tal e qual os mecanismos do FOREX).
O escândalo rebenta quando, nas horas imediatamente a seguir ao lançamento do vídeo de anúncio e do próprio curso, o streamer e hacker RedLive13 acedeu ao site onde o curso estava a ser vendido e compilado e demonstrou aos seus viewers o conteúdo do mesmo. Segundo o próprio, e de acordo com um dos 10 clientes a quem o youtuber conseguiu vender o curso antes da polémica, a maioria do conteúdo não passava de uma cópia barata de conteúdos básicos que estariam ao alcance de qualquer um, nomeadamente através da Wikipedia (e que resultaram em pelo menos 4000€ de receita em poucas horas de venda).
No seguimento da revolta gerada nas redes sociais, nomeadamente na plataforma Twitter, o youtuber retirou o curso, o site e o vídeo dos seus canais, e desde então devolveu o dinheiro a todos os clientes que obteve. Segundo o próprio, o conteúdo não devia estar em momento algum em causa, dada a sua qualidade, mas o preço esse sim, ‘talvez fosse demasiado excessivo’.
1.https://www.wealthwithin.com.au/learning-centre/share-trading-tips/trading-the-stock-market
2.https://www.valutrades.com/pt/blog/quanto-dinheiro-que-os-traders-top-de-forex-fazem
3. Para um melhor entendimento sobre a forma como os influencers Diogo Figueiras e David Soares se associaram a este tipo de oportunidades de negócio, aconselha-se a visualização do documentário ‘Conto do Vigário’, da TVI.