Ensino e Formação em Tempos de Pandemia

José Dias Lopes

Professor Associado do ISEG, Lisbon School of Economics and Management

19 de março de 2021

Passado um ano do início da pandemia COVID-19 é possível começar a avaliar algumas das suas consequências. O ensino e a formação foram duas das áreas onde os impactos da pandemia foram mais evidentes. Hoje, passado um ano, é possível fazer alguns balanços e antecipar alguns desenvolvimentos futuros. É um contributo nesse sentido que se procurará dar neste artigo.

"O ensino e a formação foram duas das áreas onde os impactos da pandemia foram mais evidentes."

Na página de internet da Unesco encontra-se um contador temporal, dinâmico, do impacto da pandemia na comunidade escolar. No pico desse impacto, em abril de 2020, perto de 1,5 mil milhões de alunos (85% dos alunos a nível global), de 173 países, tinham as suas atividades letivas (presenciais) suspensas. Ao longo destes doze meses, em muitos países, os encerramentos ultrapassaram as trinta semanas.

O impacto da pandemia nas atividades escolares foi, como se mostrou quantitativamente muito significativo. Mas para lá desta dimensão quantitativa, direta, dos impactos, há duas outras dimensões de efeitos, menos imediatos e menos visíveis, que é importante realçar.

"O impacto da pandemia nas atividades escolares foi, como se mostrou quantitativamente muito significativo."

"A pandemia exigiu dos governos a mobilização de recursos financeiros extraordinários para reforçar os sistemas de saúde e também no apoio à economia."

A primeira delas tem a ver com o investimento em educação e a necessidade imperiosa desse investimento para robustecer os sistemas de ensino.

Há um objetivo de desenvolvimento sustentável associado à educação – o ODS 4, Educação de qualidade. Sabia-se, já antes do aparecimento da pandemia que existia, em termos globais, um déficit associado a este ODS, ou seja, o objetivo de garantir, até 2030, o acesso uma educação inclusiva de qualidade e equitativa, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos, não seria atingível a não ser que os orçamentos para a educação fossem reforçados. A pandemia exigiu dos governos a mobilização de recursos financeiros extraordinários para reforçar os sistemas de saúde e também no apoio à economia. A capacidade dos estados para colmatar o deficit referido fica, assim, seriamente comprometido. Considerando que esta situação afeta principalmente países em vias de desenvolvimento, com sistemas educativos menos robustos, percebe-se a gravidade da situação.

A Unesco estima que aquele deficit seja anualmente, sem COVID, cerca de 140 mil milhões de US Dollars (USD) e que a pandemia agrave esse deficit entre 30 a 45 mil milhões de USD. Os efeitos deste subinvestimento irão perdurar muito para lá da resolução do problema pandémico.

A segunda dimensão que importa considerar é a da eficácia das aprendizagens do último ano. Também relativamente a esta questão começa a estar disponível alguma evidência, e também ela nos apresenta um cenário de alguma preocupação. Socorremo-nos do estudo de Li-Kai Chen, Emma Dorn, Jimmy Sarakatsannis, and Anna Wiesinger, Teacher survey: Learning loss is globaland significant, disponibilizado, já este ano, pela McKinsey & Company. As conclusões do estudo têm por base um inquérito a professores da Alemanha, Austrália, Canadá, China, França, Japão, Reino Unido e Estados Unidos da América.

O estudo mostra uma grande assimetria do impacto da pandemia nos diferentes países, havendo, todavia, uma maioria clara de países onde os professores indicam a menor eficácia do ensino à distância.

"O ensino à distância é nas escolas privadas cerca de 40% mais eficaz do que nas escolas públicas."

Um segundo aspeto a realçar é a capacidade distinta das escolas públicas e privadas para lidarem com os efeitos da pandemia. O ensino à distância é nas escolas privadas cerca de 40% mais eficaz do que nas escolas públicas. Igualmente significativa é a diferença entre os dois tipos de escolas, no que respeita ao acesso dos alunos a equipamentos e à internet e no envolvimento dos alunos na aprendizagem à distância.

Finalmente, o estudo revela ainda que a pobreza é um elemento discriminante quando se avaliam os impactos da pandemia no ensino.

Nesta dimensão, tal como na anterior, os efeitos da pandemia no ensino são assimétricos e consegue-se antecipar que os seus impactos perdurarão no tempo.

Também no que diz respeito à aprendizagem em contexto organizacional os impactos da pandemia foram significativos. De acordo com os resultados de um inquérito, realizado pela Organização Internacional do Trabalho, também a formação em contexto de trabalho foi profundamente afetada pela pandemia: 98% dos inquiridos relataram interrupção da aprendizagem baseada no trabalho devido ao encerramento de empresas e 78% referiram o adiamento ou o cancelamento de exames e avaliações relativos a processos de certificação de aprendizagens e qualificações. Ainda de acordo com o mesmo estudo a transição para uma formação em contexto de trabalho online é dificultada pela:

  • A inadequação ou a falta de infraestruturas tecnológicas;
  • Falta de capacidade da equipa formadora para suportar a aprendizagem à distância através de recursos pedagógicos de qualidade;
  • Falta de plataformas de aprendizagem à distância efetivas e de fácil utilização; 
  • Restrições de natureza financeira.

São especialmente preocupantes as suspensões dos processos de certificação de aprendizagens e qualificações, na medida em que muitas vezes estes processos são procedimentos habilitantes para o exercício da profissão.

"98% dos inquiridos relataram interrupção da aprendizagem baseada no trabalho devido ao encerramento de empresas e 78% referiram o adiamento ou o cancelamento de exames e avaliações relativos a processos de certificação de aprendizagens e qualificações."

"O primeiro é pensar que no pós-pandemia, no que respeita à educação e formação, tudo voltará a ser exatamente igual àquilo que era até ao início de 2020."

O impacto da pandemia foi, como se mostrou, muito grande nos sistemas educativos e de formação. O pós-pandemia será marcado pelo regresso à normalidade, contudo, há dois erros que importa evitar. O primeiro é pensar que no pós-pandemia, no que respeita à educação e formação, tudo voltará a ser exatamente igual àquilo que era até ao início de 2020. Não será assim! Os últimos meses foram, neste âmbito, um período de grande experimentação e inovação – muita gente aprendeu muito depressa muitas coisas novas – e esse conhecimento não será perdido.

Há um longo caminho a percorrer – na adequação de conteúdos, na adequação de metodologias de ensino e de aprendizagem, na melhoria dos sistemas e tecnologias de informação e comunicação (as redes 5G), na adequação dos sistemas de avaliação e certificação de conhecimentos e aprendizagens -, mas este último ano permite-nos perceber de uma forma mais clara aquilo que há a fazer e essa perceção não se restringe a um grupo restrito de pessoas, é transversal a toda a comunidade educativa.

O segundo erro é pensar que só com a pandemia é que se desenvolveu ensino à distância. Tal não é verdade – há uma história longa de ensino à distância mesmo em Portugal. Há aí um conjunto de aprendizagens e conhecimentos adquiridos que é importante não perder, pelo contrário, é importante divulgar e disseminar.

Embora o enquadramento jurídico do ensino superior à distância em Portugal seja muito recente, data de 2019, a existência de facto desta modalidade de ensino tem mais de trinta anos. Para lá do ensino superior há outras experiências, ainda mais antigas, de ensino e formação à distância em Portugal.

"O segundo erro é pensar que só com a pandemia é que se desenvolveu ensino à distância."

A aprendizagem à distância era algo com o qual se convivia, em muitos casos muito bem, mas não pertencia a “aristocracia” do ensino. A pandemia veio alterar isto e um processo de evolução, que estava a ocorrer num ritmo muito próprio, ganhou uma significativa dinâmica, e terá, no futuro, uma relevância acrescida.

Fica também destes tempos de pandemia o agravar das desigualdades no acesso ao ensino e à formação, e isso obrigará um esforço redobrado no futuro.