Na página de internet da Unesco encontra-se um contador temporal, dinâmico, do impacto da pandemia na comunidade escolar. No pico desse impacto, em abril de 2020, perto de 1,5 mil milhões de alunos (85% dos alunos a nível global), de 173 países, tinham as suas atividades letivas (presenciais) suspensas. Ao longo destes doze meses, em muitos países, os encerramentos ultrapassaram as trinta semanas.
O impacto da pandemia nas atividades escolares foi, como se mostrou quantitativamente muito significativo. Mas para lá desta dimensão quantitativa, direta, dos impactos, há duas outras dimensões de efeitos, menos imediatos e menos visíveis, que é importante realçar.
A primeira delas tem a ver com o investimento em educação e a necessidade imperiosa desse investimento para robustecer os sistemas de ensino.
Há um objetivo de desenvolvimento sustentável associado à educação – o ODS 4, Educação de qualidade. Sabia-se, já antes do aparecimento da pandemia que existia, em termos globais, um déficit associado a este ODS, ou seja, o objetivo de garantir, até 2030, o acesso uma educação inclusiva de qualidade e equitativa, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos, não seria atingível a não ser que os orçamentos para a educação fossem reforçados. A pandemia exigiu dos governos a mobilização de recursos financeiros extraordinários para reforçar os sistemas de saúde e também no apoio à economia. A capacidade dos estados para colmatar o deficit referido fica, assim, seriamente comprometido. Considerando que esta situação afeta principalmente países em vias de desenvolvimento, com sistemas educativos menos robustos, percebe-se a gravidade da situação.
A Unesco estima que aquele deficit seja anualmente, sem COVID, cerca de 140 mil milhões de US Dollars (USD) e que a pandemia agrave esse deficit entre 30 a 45 mil milhões de USD. Os efeitos deste subinvestimento irão perdurar muito para lá da resolução do problema pandémico.
A segunda dimensão que importa considerar é a da eficácia das aprendizagens do último ano. Também relativamente a esta questão começa a estar disponível alguma evidência, e também ela nos apresenta um cenário de alguma preocupação. Socorremo-nos do estudo de Li-Kai Chen, Emma Dorn, Jimmy Sarakatsannis, and Anna Wiesinger, Teacher survey: Learning loss is global – and significant, disponibilizado, já este ano, pela McKinsey & Company. As conclusões do estudo têm por base um inquérito a professores da Alemanha, Austrália, Canadá, China, França, Japão, Reino Unido e Estados Unidos da América.
O estudo mostra uma grande assimetria do impacto da pandemia nos diferentes países, havendo, todavia, uma maioria clara de países onde os professores indicam a menor eficácia do ensino à distância.
Um segundo aspeto a realçar é a capacidade distinta das escolas públicas e privadas para lidarem com os efeitos da pandemia. O ensino à distância é nas escolas privadas cerca de 40% mais eficaz do que nas escolas públicas. Igualmente significativa é a diferença entre os dois tipos de escolas, no que respeita ao acesso dos alunos a equipamentos e à internet e no envolvimento dos alunos na aprendizagem à distância.
Finalmente, o estudo revela ainda que a pobreza é um elemento discriminante quando se avaliam os impactos da pandemia no ensino.
Nesta dimensão, tal como na anterior, os efeitos da pandemia no ensino são assimétricos e consegue-se antecipar que os seus impactos perdurarão no tempo.
Também no que diz respeito à aprendizagem em contexto organizacional os impactos da pandemia foram significativos. De acordo com os resultados de um inquérito, realizado pela Organização Internacional do Trabalho, também a formação em contexto de trabalho foi profundamente afetada pela pandemia: 98% dos inquiridos relataram interrupção da aprendizagem baseada no trabalho devido ao encerramento de empresas e 78% referiram o adiamento ou o cancelamento de exames e avaliações relativos a processos de certificação de aprendizagens e qualificações. Ainda de acordo com o mesmo estudo a transição para uma formação em contexto de trabalho online é dificultada pela:
São especialmente preocupantes as suspensões dos processos de certificação de aprendizagens e qualificações, na medida em que muitas vezes estes processos são procedimentos habilitantes para o exercício da profissão.
O impacto da pandemia foi, como se mostrou, muito grande nos sistemas educativos e de formação. O pós-pandemia será marcado pelo regresso à normalidade, contudo, há dois erros que importa evitar. O primeiro é pensar que no pós-pandemia, no que respeita à educação e formação, tudo voltará a ser exatamente igual àquilo que era até ao início de 2020. Não será assim! Os últimos meses foram, neste âmbito, um período de grande experimentação e inovação – muita gente aprendeu muito depressa muitas coisas novas – e esse conhecimento não será perdido.
Há um longo caminho a percorrer – na adequação de conteúdos, na adequação de metodologias de ensino e de aprendizagem, na melhoria dos sistemas e tecnologias de informação e comunicação (as redes 5G), na adequação dos sistemas de avaliação e certificação de conhecimentos e aprendizagens -, mas este último ano permite-nos perceber de uma forma mais clara aquilo que há a fazer e essa perceção não se restringe a um grupo restrito de pessoas, é transversal a toda a comunidade educativa.
O segundo erro é pensar que só com a pandemia é que se desenvolveu ensino à distância. Tal não é verdade – há uma história longa de ensino à distância mesmo em Portugal. Há aí um conjunto de aprendizagens e conhecimentos adquiridos que é importante não perder, pelo contrário, é importante divulgar e disseminar.
Embora o enquadramento jurídico do ensino superior à distância em Portugal seja muito recente, data de 2019, a existência de facto desta modalidade de ensino tem mais de trinta anos. Para lá do ensino superior há outras experiências, ainda mais antigas, de ensino e formação à distância em Portugal.
A aprendizagem à distância era algo com o qual se convivia, em muitos casos muito bem, mas não pertencia a “aristocracia” do ensino. A pandemia veio alterar isto e um processo de evolução, que estava a ocorrer num ritmo muito próprio, ganhou uma significativa dinâmica, e terá, no futuro, uma relevância acrescida.
Fica também destes tempos de pandemia o agravar das desigualdades no acesso ao ensino e à formação, e isso obrigará um esforço redobrado no futuro.