Um Novo Modelo Económico

Neutro em carbono, circular e respeitador da biodiversidade

Sofia Santos

PhD, economista especializada em sustainable finance

4 de dezembro de 2020

Desde os anos 1950 que o PIB mundial tem crescido exponencialmente dado origem ao sistema económico que conhecemos hoje, e que assenta num crescimento do consumo que promove o crescimento do volume de vendas das empresas, e o crescimento do PIB. Acreditou-se que a economia de mercado iria conseguir acautelar a potencial limitação de recursos, ao assumir-se que, quando os recursos começam a escassear, o seu preço começa a aumentar, o preço de venda dos bens aumenta, e a procura acaba por baixar, levando assim ao equilíbrio do dito recurso. Mas na realidade nada disto acontece. A economia de mercado que temos hoje, focada no curto prazo, não incorpora nas decisões do presente o impacte que estas têm no futuro. E portanto, estes equilíbrios não acontecem.

"A economia de mercado que temos hoje, focada no curto prazo, não incorpora nas decisões do presente o impacte que estas têm no futuro. "

Este crescimento originou também outros impactes ao nível do sistema terrestre. Impactes estes que nós, economistas e gestores, ignorámos. Tivemos os cientistas que nos alertaram para a necessidade de as empresas minimizarem os seus impactes ambientais. Mas, como era algo “lá longe”, fomos ignorando. A consequência hoje é evidente tendo o crescimento exponencial do PIB dado origem ao crescimento exponencial de algumas variáveis do sistema terrestre, como o CO2, o metano, a perda de biodiversidade, entre outras. Quando em desequilíbrio, e quando todas elas estão em desequilíbrio, estas variáveis podem levar a catástrofes ambientais não previsíveis, levam sem dúvida às alterações climáticas, que têm obviamente um impacte financeiro nas empresas e nas pessoas.

Mais de 90% dos cientistas afirma que, se o modelo económico existente não mudar, no final do século XXI a temperatura mundial pode aumentar 4,8ºC. Isso significa que em Portugal a temperatura média pode aumentar pelo menos 8ºC, e mais de metade dos dias na zona de Lisboa terão mais de 30 ºC. Imagine-se os impactes que este tipo de temperatura poderá ter na agricultura, na cadeia alimentar, na saúde, nos incêndios, nas tempestades, etc, em Portugal.

"Mais de 90% dos cientistas afirma que, se o modelo económico existente não mudar, no final do século XXI a temperatura mundial pode aumentar 4,8ºC."

"É neste contexto que surge o conceito de descarbonização da economia. Uma economia que seja capaz de criar emprego e bem-estar, emitindo menos emissões de gases com efeitos de estufa, em particular o CO2."

Para evitar este aumento de temperatura mundial que irá trazer consequências que os próprios cientistas têm dificuldade em antecipar, o mundo acordou em unir forçar e agir em conjunto através do Acordo de Paris que foi assinado por mais de 100 países em 2015. Neste acordo os países concordam em desenvolver esforços de forma a que a temperatura do planeta não aumente mais do que 2ºC, idealmente 1,5ºC até ao final do século. Para que isto aconteça, é necessário que os países atinjam a neutralidade carbónica durante a segunda metade do século. Atingir a neutralidade carbónica significa por um lado baixar as emissões de gases com efeitos de estufa, e aumentar o sequestro de carbono através da reflorestação, agricultura e outras formas. Portugal foi o primeiro país a nível mundial a assumir o compromisso da neutralidade carbónica para 2050. Hoje em dia também a União Europeia tem esse objetivo: ser uma zona neutra em carbono em 2050.

É neste contexto que surge o conceito de descarbonização da economia. Uma economia que seja capaz de criar emprego e bem-estar, emitindo menos emissões de gases com efeitos de estufa, em particular o CO2. Há quem veja este desafio como um custo. Mas deve ser visto como um investimento produtivo. Para que as economias sejam descarbonizadas é necessário tecnologia mais limpa na indústria, mobilidade menos poluente, materiais de construção mais eficientes a nível energético, uma aposta nas energias renováveis e na eletrificação das economias.

Todos estes desafios necessitam obviamente de tecnologia, investimento, políticas adequadas e vontade. A tecnologia existe, o dinheiro também, as políticas estão a ser criadas – veja-se o Green Deal da União Europeia em que afirma que a economia verde é a nova estratégia de crescimento europeu – mas ainda falta conhecimento e vontade.

Sem conhecimento não há vontade. É por isso essencial que todos os futuros economistas e gestores saibam que a economia do século XXI é verde, circular e respeitadora dos ecossistemas. É necessário compreenderem que cerca de 50% do PIB mundial depende da natureza e por isso é necessário incluir, de forma apropriada e consciente, a natureza no cálculo do PIB e do VAB, como ativo e como passivo.

Estamos na realidade a voltar ao Adam Smith!
O capitalismo defendido por Adam Smith não é este capitalismo de certa forma egoísta que ignora o potencial mal estar que as nossas decisões podem gerar nos outros.
Antes de Adam Smith escrever o livro sobre a riqueza das nações, publicou um outro sobre sentimentos morais. Neste livro, ele define o ser humano como um ser ético, capaz de sentir prazer com a felicidade dos outros, existindo sempre uma esfera individual de cada um que tem de ser respeitada. Adam Smith criou a ideia de economia de mercado, no pressuposto de que o ser humano tinha bom senso, era um ser bom que se preocupava com os outros.

"Sem conhecimento não há vontade. É por isso essencial que todos os futuros economistas e gestores saibam que a economia do século XXI é verde, circular e respeitadora dos ecossistemas. "

"No entanto, este pressuposto tão fundamental para se compreender a aplicar o capitalismo foi ignorado pelos economistas e gestores."

No entanto, este pressuposto tão fundamental para se compreender a aplicar o capitalismo foi ignorado pelos economistas e gestores. Hoje estamos a voltar à verdadeira teoria de Adam Smith. Estamos novamente a incluir na esfera das nossas decisões a utilidade do bem-estar que causamos aos outros. Se introduzirmos na nossa função utilidade o prazer que sentimos com a felicidade dos outros, então não queremos fazer as pessoas infelizes. E assim temos uma função utilidade que nos permite alcançar uma economia sustentável. Tão simples quanto isto.

Mais sobre a autora:

https://www.linkedin.com/in/sofia-santos-4872226/