Cai o Carmo e a Trindade

Francisco Franco Afonso

Cargo atual: Analista no HSBC Global Asset Management

Licenciado em Economia pela Nova SBE (2019)

9 de outubro de 2020

2020 ficará marcado nas nossas memórias para sempre. Um ano atípico devido à pandemia Covid-19, que veio alterar os nossos hábitos de consumo, socialização e que, por certo, trará um grande número de outros impactos que à data a que escrevo não são ainda visíveis. Por consequência da crise sanitária que vivemos, alguns analistas acreditam que 2020 está também a sofrer de um certo desligamento entre os mercados financeiros e a realidade económica. Mas será mesmo assim?

Como pode ser observado pelo gráfico de cotações do S&P 500, um dos principais índices bolsistas norte-americanos, o mercado encontrava-se em máximos no período pré-Covid. Apesar de não observável no gráfico abaixo, o S&P 500 encontrava-se também em máximos absolutos em fevereiro de 2020, valores estes que foram rapidamente revertidos assim que a pandemia Covid-19 se começou a manifestar ao redor do planeta. Apesar dos efeitos da pandemia se continuarem a sentir e a pandemia em si continuar a ser uma constante no nosso dia-a-dia, uma grande maioria dos mercados acionistas mundiais, em especial os norte-americanos, rapidamente recuperou do grande crash sentido em fevereiro e março.

Gráfico 1- Cotações do S&P 500

Fonte: S&P 500 - Bloomberg.com, a 08/10/2020

Tais movimentos nos mercados financeiros podem parecer, para o leitor menos atento, meros acasos e fruto de um desconexo entre as dificuldades que muitas famílias começaram e continuam a sentir diariamente, e o valor das bolsas de valores e ativos financeiros ao redor do mundo. No entanto, com uma análise mais cuidada é possível observar que tais ligações estão intimamente ligadas às ações contra cíclicas dos principais bancos centrais e governos, que têm uma grande influência não só na taxa de desconto dos cash flows futuros, mas também na perceção da velocidade a que ultrapassaremos esta crise.

Desde março, a Federal Reserve System (Fed), banco central norte-americano e organismo responsável pela politica monetária dos Estados Unidos da América, anunciou, entre outros, um programa de compra de ativos e desceu as taxas de juro que os bancos comerciais cobram uns aos outros por reservas em excesso por um período overnight (Federal Funds rate) para 1 – 1.25% e depois para 0 – 0.25% (de 1.50 – 1.75% no início do ano). Mais ainda, Jerome Powell, governador da Fed, prometeu taxas baixas “however long it takes”. Com um comportamento semelhante, o Banco Central Europeu manteve as taxas de juro a níveis baixos, e lançou um programa de compra de ativos (PEPP – Pandemic Emergency Purchase Programme) no valor de 1,350 milhões de euros. Governos ao redor do mundo lançaram também incentivos fiscais, programas de layoff/furlough e/ou planos de ajuda, de modo a evitarem despedimentos em massa e a manter liquidez no maior número possível de empresas.

Apesar dos efeitos da pandemia se continuarem a sentir e a pandemia em si continuar a ser uma constante no nosso dia-a-dia, uma grande maioria dos mercados acionistas mundiais, em especial os norte-americanos, rapidamente recuperou do grande crash sentido em fevereiro e março.

(...) vivemos num período de taxas de juro baixas e que se espera que assim continue por bastante tempo. Esta realidade diminui em grande parte o uso, pelo menos como único contrapeso, de obrigações soberanas em muitos portfolios.

Como pode ser observado, Portugal detém ainda a maior parte dos seus fundos em ações e obrigações. Apesar de estas classes de ativos continuarem a ser predominantes na maior parte dos países, alguns, como a Alemanha, Reino Unido ou Dinamarca já alocam uma parte considerável dos seus portfolios em ativos alternativos (incluindo imobiliário).

O conceito de Valor Atual Líquido é conhecido (ou pelo menos devia ser) pela maior parte dos estudantes de Economia/Gestão/Finanças. Um conceito bastante simples e que tende a explicar a maior parte dos movimentos pós-crash nos mercados acionistas.

Depois da tempestade veio a bonança. E agora?

O quarto trimestre de 2020 será marcado por uma serie de eventos como as eleições norte americanas, o desfecho de um eventual (hard) Brexit, e ainda o desenrolar da pandemia Covid-19 nas principais economias mundiais. Estes riscos, acoplados a um crescimento do produto mundial que se espera moderado, ditarão as dinâmicas de mercado e o nível de preço dos diversos ativos financeiros. Importante ainda referir que as expetativas criadas pelos bancos centrais e políticas governamentais terão também um papel determinante no ano que resta de 2020.

Não há bela sem senão.

Obrigações, e em específico obrigações soberanas, têm tido ao longo dos anos um papel crucial nos nossos portfolios, e na dinâmica de alocações de ativos dos mais diversos investidores institucionais. Obrigações soberanas têm providenciado um número de benefícios, como uma exposição a fatores diferentes dos tradicionais mercados acionistas, retorno estável e previsível, e ainda um perfil de liquidez atrativo para uma grande parte dos investidores.

No entanto, e como apresentado acima, vivemos num período de taxas de juro baixas e que se espera que assim continue por bastante tempo. Esta realidade diminui em grande parte o uso, pelo menos como único contrapeso, de obrigações soberanas em muitos portfolios. O mecanismo de hedging perde eficácia devido às taxas de juro estarem já bastante baixas, e “não poderem”, ou pelo menos não ser desejável, que estas baixem para territórios bastante negativo.

O gráfico abaixo ilustra as alocações médias por classe de ativos para planos de pensões de benefício definido, de acordo com o estudo 2020 European Asset Allocation da consultora Mercer.

Fonte: Mercer LLC European Asset Allocation Survey, 2020

Como pode ser observado, Portugal detém ainda a maior parte dos seus fundos em ações e obrigações. Apesar de estas classes de ativos continuarem a ser predominantes na maior parte dos países, alguns, como a Alemanha, Reino Unido ou Dinamarca já alocam uma parte considerável dos seus portfolios em ativos alternativos (incluindo imobiliário). Estará Portugal a subaproveitar os seus investimentos? Qual o impacto que poderá ter no longo-prazo?