O papel do Estado no combate à crise económica da Covid-19

Joaquim Miranda Sarmento

Professor auxiliar de Finanças do ISEG, Lisbon School of Economics & Management

23 de julho de 2020

No início da crise foi claro que haveria duas fases do ponto de vista económico (ou seja, além da resposta em termos de saúde pública e de epidemiologia):

Uma primeira fase, coincidente com o confinamento e com a fase mais aguda da crise sanitária, na qual o problema económico era uma questão de liquidez e de crédito das famílias.

A segunda fase é a da recuperação da economia. É uma fase que começou agora e em que o foco já não é a liquidez e crédito, mas sim a solvência e capitalização das empresas.

A prioridade na segunda fase, que já começou, tem de ser as empresas e o investimento privado. Uma maior competitividade da economia passa por uma forte atração da mobilidade do fator trabalho e do fator capital. E isso só é possível atuando em 3 vetores: simplificação fiscal, simplificação empresarial (tornado a atividade das empresas mais simples) e simplificação da regulamentação/burocracia.

O Estado tem sobretudo um papel do lado da oferta. Não vale a pena pensar em grandes obras públicas, com pouco efeito económico e que depois deixam “elefantes brancos” com custos operacionais elevados, gerando prejuízos que todos os anos têm de ser pagos pelos contribuintes. O investimento público deve-se concentrar em setores como a digitalização, a mobilidade e sustentabilidade, a melhoria dos serviços públicos e a redução dos custos de contexto, a melhoria do capital humano e a captação e potenciação de investimento privado, diversificando a economia e fomentando uma maior industrialização, maior valor acrescentado e melhor emprego.

Um bom exemplo de investimento público é o programa para retirar o amianto das escolas que ainda têm este material perigoso. Potencia o emprego no setor da construção de forma rápida e a nível local. Outro bom exemplo de investimento público seria tornar quase todos (não digo todos porque tal pode ser impossível) os edifícios públicos com eficiência energética de nível A. Fomentaria o emprego local, poderia ser feito com recurso sobretudo a materiais e equipamentos de produção nacional e reduziria a fatura energética do país.

"A segunda fase é a da recuperação da economia. É uma fase que começou agora e em que o foco já não é a liquidez e crédito, mas sim a solvência e capitalização das empresas."

O problema de países como Portugal ou Itália não é o défice, mas sim a dívida pública. Esta crise mostra bem a razão imperiosa de ter uma dívida pública baixa. Se Portugal tivesse uma divida pública de 50% ou 60%, teria agora margem para ter 10% de défice em 2020. Mas não tem essa margem. Os keynesianos gostam muito de falar da importância da atuação pública em períodos recessivos, com políticas anti cíclicas. Tendem é a esquecer que Keynes era um forte defensor de disciplina orçamental e superavits em períodos de crescimento económico. Exatamente para que exista margem de atuação quando a crise chega.

Portugal precisará de atuar em 3 níveis: Um plano de recapitalização e solvência das empresas; Um plano de recuperação económica, melhorando a competitividade da economia e atraindo investimento; Um plano credível e ambicioso de redução da dívida pública, a 2 tempos: nos 2-3 anos seguintes, reduzir a subida de dívida pública que teremos em 2020/2021 e depois reduzir substancialmente a dívida pública até ao final da década.

Apenas com um plano económico, mas também um plano de redução da dívida pública, poderá ser possível, por um lado, restaurar a confiança dos agentes económicos e recuperar a economia, e por outro lado, não ter um grave problema de acesso aos mercados financeiros no médio prazo. Ou seja, evitar que esta crise do Covid-19 acabe, por um lado, numa crise económica, com menos crescimento, produto, emprego e riqueza, e por outro lado, evitar que após este período, tenhamos uma crise na nossa dívida soberana por via de uma dívida pública muito alta.

A economia nacional em fevereiro de 2020 tinha problemas estruturais graves: baixa competitividade, baixa produtividade dos fatores trabalho, capital e do total productivity factor, bem como baixo nível de investimento, elevados níveis de endividamento das empresas (juntamente com o Estado e as famílias).

"O problema de países como Portugal ou Itália não é o défice, mas sim a dívida pública. Esta crise mostra bem a razão imperiosa de ter uma dívida pública baixa."

A economia Portuguesa desde 2000 que praticamente estagnou. Tem crescido a uma média de 0.5% ao ano em termos reais. Passou por quatro recessões (2001-2002; 2004; 2008-2009 e 2011-2013). Em termos reais, o PIB per capita subiu, entre 1999 e 2019, cerca de 8% apenas, um valor inferior à média dos países da União Europeia e muito inferior quando comparado com os países da União Europeia numa situação de desenvolvimento e competitividade económicos semelhantes a Portugal.

No relançamento da economia, recuperando o potencial perdido durante estes meses, terá de haver uma ação forte das políticas públicas. Mas desenganem-se os que acham que voltaremos a políticas keynesianas e sobretudo a grandes programas de obras públicas. Não será disso que o país precisará. Dada a elevada dívida pública, o país precisará sobretudo de medidas do lado da oferta (“supply-side”). Medidas que permitam captar investimento, sobretudo estrangeiro e de elevado valor acrescentado. Medidas de redução dos custos de contexto, simplificação administrativa e da burocracia. Medidas que melhorem a qualificação da mão-de-obra. Medidas que simplifiquem e estabilizem o sistema fiscal, tornando-o mais competitivo. Medidas que aumentem o nível de inovação e desenvolvimento tecnológico.

"Apenas com um plano económico, mas também um plano de redução da dívida pública, poderá ser possível, por um lado, restaurar a confiança dos agentes económicos e recuperar a economia, e por outro lado, não ter um grave problema de acesso aos mercados financeiros no médio prazo. "