A Dimensão do Estado

António Afonso

Professor Catedrático na Lisbon School of economics & Management (ISEG); Presidente da Research Unit on Complexity and Economics (UECE) do ISEG

25 de junho de 2020

“The question we ask today is not whether our government is too big or too small, but whether it works (…). Where the answer is yes, we intend to move forward. Where the answer is no, programs will end. And those of us who manage the public’s dollars will be held to account – to spend wisely, reform bad habits, and do our business in the light of day – because only then can we restore the vital trust between a people and their government.” (Barack Obama inaugural speech, 20 de Janeiro de 2009)

1. O papel do Estado

O papel do Estado e o dinheiro que gasta para cumprir as suas funções, têm sido uma das principais questões da economia e da filosofia política desde há séculos. No entanto, apenas nos últimos 150 anos o estudo da relevância da despesa do Estado se desenvolveu significativamente, dando início a um intenso debate sobre o papel e a dimensão apropriados do Estado. Com efeito, nas últimas décadas, quando o Estado cresceu significativamente em dimensão, surgiram metodologias para medir, avaliar e aconselhar sobre o tamanho, desempenho e eficiência do governo e sobre as políticas orçamentais subjacentes.
As despesas do Estado são feitas principalmente através dos orçamentos de diferentes níveis de governo, sendo a percentagem no PIB das despesas das Administrações Públicas normalmente usada como proxy para a dimensão do Estado. A despesa pública inclui despesas em várias funções do Estado. Estas despesas podem ser classificadas de acordo com uma classificação económica –
consumo, investimento, juros, subsídios e transferências; ou com base numa classificação funcional – educação, saúde, defesa etc.
Com efeito, Estado pode intervir na economia e na sociedade para lidar com várias questões: (i) bens públicos puros e bens quase públicos; (ii) falhas de mercado; (iii) externalidades negativas; (iv) o ciclo económico; (v) rendimentos para as famílias carenciadas; e (vi) finalmente, a distribuição dos rendimentos. Assim, o peso das receitas fiscais em percentagem do PIB aumentou de forma significativa, na maioria dos países, tendo-se observado também uma maior progressividade dos sistemas tributários.

"As despesas do Estado são feitas principalmente através dos orçamentos de diferentes níveis de governo"

"(...) não é fácil concluir definitivamente que os países que têm mais despesa pública (em % do PIB), como é o caso de vários países europeus, têm um desempenho inferior ou superior ao de países que têm menos despesa púbica (em % do PIB)."

Fonte: Afonso et al. (2020). Ano indicado ou ano disponível mais próximo.

1/ Administração Central até 1937.

2/ Para a Irlanda, caso se use o PNB em vez do PIB, os rácios para 2000 e 2017 são 35.5% e 32.9% respectivamente.

3/ Média simples, excluindo Singapura e Coreia do Sul.

2. Ideias alternativas sobre o que o Estado deve fazer

No século XIX, duas escolas de pensamento deram respostas alternativas ao que deve ser o papel e a intervenção do Estado: laissez faire e socialismo. Alguns economistas argumentaram que o laissez faire deveria ser a prática geral, e qualquer outra coisa seria indesejável, enquanto a visão socialista postulava uma presença mais forte do Estado na economia e na sociedade (ver Engels, 1880, e a discussão geral de Musgrave, 1985). Habitualmente, quem detinha mais riqueza tendia a favorecer o laissez faire, enquanto que muitos trabalhadores eram atraídos pelas ideias socialistas. Estas ideias influenciaram algumas políticas económicas como, por exemplo, as reformas sociais de Bismarck na Alemanha no final do século XIX.
A abordagem do laissez-faire, começa com o trabalho de Adam Smith (1776), que defendia que o papel do governo deveria ser limitado e não deveria interferir na evolução natural das sociedades. Uma economia de mercado resultaria em mais progresso e, a longo prazo, promoveria padrões de vida crescentes para toda a população.
As abordagens socialistas, algumas mais radicais que outras, preocupavam-se com a distribuição do rendimento e com os trabalhadores. Estas abordagens eram mais críticas dos direitos de propriedade e menos interessadas ​​na liberdade individual. Defendiam também um maior papel económico do Estado e preconizavam a necessidade de maior despesa pública.
No final do século XIX, a dimensão do Estado era pequena. Todavia, tal situação foi alterada, ao longo de duas guerras mundiais e, subsequentemente, com a implementação do Estado de bem-estar social e o aumento da despesa pública, nomeadamente após 1960, nas economias desenvolvidas. Observou-se igualmente um aumento da regulação, para fazer face a externalidades negativas, quer para os indivíduos, quer para o ambiente.
Muitos estudos avaliaram o impacto que as despesas do Estado têm sobre o desempenho macroeconómico. Todavia, não é fácil concluir definitivamente que os países que têm mais despesa pública (em % do PIB), como é o caso de vários países europeus, têm um desempenho inferior ou superior ao de países que têm menos despesa púbica (em % do PIB). Por exemplo, Afonso e Jalles (2006) referem que o efeito da dimensão do Estado na actividade económica pode ser tão mais potenciado quanto melhor for a qualidade das instituições.
No final do século XIX, na época em que o laissez-faire ainda era a filosofia económica dominante, a despesa do Estado representava uma pequena parte do PIB nos países que são hoje as economias avançadas. Por volta de 1870, quando os dados sobre finanças públicas começaram a estar disponíveis para mais países, a despesa pública atingiu em média 11% do PIB (ver Quadro 1). A Suíça e a Austrália ultrapassavam 15% do PIB, enquanto a Suécia e os Estados Unidos tinham níveis de despesa pública inferiores a 10% do PIB. Naturalmente, quer a seguir à 2ª Guerra Mundial, quer já na segunda metade do século XX, esses rácios de despesa pública aumentaram de forma significativa.

3. Conclusão

Atualmente, vários economistas provavelmente concordariam que os governos deveriam fornecer certos bens públicos essenciais através da despesa do Estado: defesa e segurança interna, infraestruturas públicas, educação pública e redes básicas de segurança social. Todavia, quanto à análise da dimensão do Estado que é necessária para financiar esses bens e serviços, existem diferenças importantes ​​ao longo do tempo e entre países.
Assim, enquanto vários países gastam pouco mais de 30% do PIB, também existem países onde o Estado assume uma maior dimensão, e em ambos os casos é possível observar bom desempenho no fornecimento dos serviços do Estado. Ou seja, não existe um tamanho “ótimo” do Estado, embora em vários casos, se possa provavelmente aumentar a eficiência. Além disso, crises financeiras (ou de saúde pública) podem resultar em grandes aumentos repentinos da despesa pública. Os países com menor peso das despesas do Estado no PIB (e menores níveis de dívida pública, em percentagem do PIB) provavelmente terão maior capacidade para responder a essas crises, sem correr um risco tão elevado no que diz respeito à sustentabilidade das finanças públicas.

"Assim, enquanto vários países gastam pouco mais de 30% do PIB, também existem países onde o Estado assume uma maior dimensão, e em ambos os casos é possível observar bom desempenho no fornecimento dos serviços do Estado."

Bibliografia

Afonso, A., Jalles, J. (2016). “Economic Performance, Government Size, and Institutional Quality”, Empirica, 43 (1), 83-109.

Afonso, A., Schuknecht, L., Tanzi, V. (2020). “The Size of the Government”, EconPol WP 46. REM WP 0129-2020.

Engels, F. (1880). Socialism: Utopian and Scientific. Marx/Engels Selected Works, Vol 3, p. 95-151, Progress Publishers, 1970.

Musgrave, R. (1985). “A Brief History of Public Doctrine”, in Auerbach, A. and Feldstein, M. (eds.) Handbook of Public Economics, vol. 1, Elsevier Science Publishers B. V. (North-Holland).

Smith, A. (1776). The Wealth of Nations (Várias edições).